Esta obra tem como fio condutor as experiências e os saberes conjugados entre trabalhadores e pesquisadores, na investigação de problemas de saúde relacionados ao trabalho. O compartilhamento de saberes esteve presente em todo o processo de sua feitura. A procura de uma multivocalidade dialógica buscou romper com as hierarquias tradicionais de pesquisa e autoria, sob predomínio do saber científico oficial. Poemas e canções sobre trabalho e luta de classes encontram-se entrelaçados e articulados aos capítulos do livro, buscando unicidade e tessitura à proposta central desta coletânea — ser uma forma singular de produção de conhecimento e intervenção, resultante do encontro de trabalhadores, profissionais e pesquisadores, na análise do caráter histórico da determinação do processo saúde-doença daqueles que trabalham e suas resistências e lutas sociais.
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A poesia insiste
Eu vou escrever
com marretas
no teto,
com graxa
nas paredes,
com a trincha
no chão.
Proíbam e eu escreverei
com as unhas
na lataria das máquinas,
com chaves
riscando os robôs.
Impeçam e será com pincel
nos muros,
com facas nos troncos,
com ar comprimido
na noite.
Demitam-me
e escreverei
com um arado na terra,
com a foice
nas plantações.
[…]
Cortem meus dedos
e eu escreverei
com os olhos
no horizonte…
com a língua
em alguma boca…
com os pés na areia…
escreverei
com o nariz no céu.
(Golondrina Ferreira)
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Golondrina Ferreira. “A poesia insiste”. Poemas para não perder. São Paulo: Edições Trunca, 2019, pp. 26-8.