A leitura do presente livro estimulará o avanço da historiografia do comércio escravista luso-atlântico para além do embate entre uma abordagem “triangular” e outra “bilateral”. O autor demonstra o grau de complexidade dos circuitos nos quais se conectavam o capital, as mercadorias e os africanos escravizados. Sua abordagem desse tema clássico desloca o comércio de escravos entre Angola e Brasil do nicho paroquial, a que boa parte da historiografia recente o tem cingido, reconectando-o a um horizonte mais amplo […] dá continuidade à melhor tradição da história econômica brasileira, mas o faz de forma renovada, inclusive pelo tema principal do livro. Nas interpretações clássicas da formação econômica do Brasil, os laços mercantis-escravistas entre Brasil e Angola não receberam a devida atenção. A lacuna foi justamente criticada pela historiografia que passou a se distanciar daquelas interpretações. Maximiliano Menz, embora siga a corrente historiográfica que, nas últimas décadas, tem sublinhado a importância da África na formação socioeconômica do Brasil, o faz articulando o tema aos grandes debates que estiveram no centro da história econômica ocidental, os quais vinham sendo negligenciados por boa parte da historiografia brasileira mais recente. […] o livro que o leitor tem em mãos promete abrir uma nova era de debates de um dos temas mais importantes da história do Brasil, a escravidão, mas em sua relação com o desenvolvimento do capitalismo mundial.
-*-*-*-
Há muito se sabe que, ao longo de sua formação histórica, o Brasil foi o maior receptor de africanos escravizados do mundo moderno. Ser o campeão da escravidão na modernidade certamente não é motivo de honra, mas a necessidade de enfrentar politicamente os legados desse passado nefasto ao menos teve um efeito positivo no campo das ciências sociais históricas. A historiografia produzida em nosso país sobre o tema há um bom tempo tem se destacado por sua originalidade e sofisticação. Trabalhos matriciais como os de Pierre Verger, Luiz Felipe de Alencastro e Manolo Florentino ajudaram a rever alguns dos modelos canônicos sobre o funcionamento do tráfico transatlântico de escravos, ao apontarem para as ligações diretas, bilaterais, entre África e Brasil, algo que teria particularizado nosso sistema escravista em relação às práticas vigentes no colonialismo britânico e francês do Atlântico Norte, fundadas na triangulação entre Europa, África e Caribe.
Lastreado em uma vastíssima pesquisa documental, Maximiliano Menz reabre essa discussão, articulando-a a outro tema de fundo que foi, de certo modo, escamoteado no movimento de revisão historiográfica sobre o tráfico para o Brasil. Refiro-me às relações entre os negócios negreiros Angola-Brasil e a formação do capitalismo global. Para tanto, Menz adota um novo caminho, centrado no exame cerrado das finanças e dos agentes econômicos que tornavam possíveis, a partir do Velho Mundo, as operações de escravização, comercialização e transporte desses seres humanos que aconteciam entre as duas margens do Atlântico Sul. Assim procedendo, o autor fornece argumentos muito convincentes a respeito da centralidade do complexo escravista luso-brasileiro para a formação do capitalismo no Atlântico Norte.
O desenho do tráfico que emerge das páginas deste livro exemplar aponta tanto para a presença de uma miríade de pequenos atores participando do negócio, como para a concentração dos investimentos no topo, nas mãos de alguns poucos grandes capitalistas. Com isso, Menz abre a possibilidade de se pensar em um perfil unificado do escravismo luso-brasileiro no Atlântico Sul em todas suas pernas (da escravização na África às propriedades rurais, mineratórias e urbanas na América portuguesa), sempre articulado às forças mais amplas do capitalismo do norte europeu. Ao mesmo tempo em que revê temas e mal-entendidos da historiografia anterior, Menz descortina novas e amplas possibilidades de investigação. Trata-se de um livro que certamente impactará os debates historiográficos sobre o tráfico transatlântico de escravos daqui por diante, com nossa própria marca, nacional e original.
— Rafael Marquese, Universidade de São Paulo
-*-*-*-
SOBRE O AUTOR
Maximiliano Menz
Filho da dona Iara e do seu Walter, marido da Vivian e pai do Santiago, é também professor de História Moderna na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Foi pesquisador visitante no International Institute of Social History (IISG, Amsterdam) e na Universidade de Sevilha. Pesquisa temas relacionados à história do capitalismo, escravidão e colonialismo.
-*-*-*-
SUMÁRIO
PREFÁCIO, Gustavo Acioli Lopes & Leonardo Marques
PALAVRAS INICIAIS
INTRODUÇÃO: Fontes e validação dos dados
CAPÍTULO 1: Guerra e capitalismo na formação do reino de Angola
1.1. Abrindo os mercados de escravos
1.2. O preço da guerra
1.3. Guerra, crise e mercado atlântico
1.4. A luta pelo sertão e pela reabertura dos mercados de escravos
1.5. O tráfico e o negócio do Brasil depois de 1648
1.6. Consolidando fronteiras em Angola
CAPÍTULO 2: Sob a sombra do asiento: contrato e contratadores depois de 1640
2.1. O contrato: organização e evolução (1636-1698)
2.2. Contratadores e armadores: a participação dos rendeiros no comércio de seres humanos
2.3. Negociando à sombra: o contrato entre 1648 e 1668
2.4. O contrato e o recrudescimento da pressão asentista (1673-1690)
2.5. O contrato de Angola depois de 1690 e a última investida do asiento
CAPÍTULO 3: O Negócio dos governadores
3.1. Lisboa, centro financeiro do tráfico de escravos português
3.2. Luanda e o comércio do sertão
3.3. Benguela e Loango
3.4. Das índias à Bahia: panos “de negros” e comércio de escravos
3.5. As exportações de escravos de Angola e as ligações com o Brasil
3.6. O crepúsculo do comércio dos governadores
CAPÍTULO 4: Capital, guerra e crédito na nova conjuntura política e econômica do tráfico
4.1. A nova conjuntura do tráfico
4.2. O boom, a bolha e as Companhias
4.3. O retorno dos financistas de Lisboa
4.4. O Sul mais profundo: a expansão da fronteira escravizadora na África centro-ocidental
CAPÍTULO 5: Armadores, financistas e homens do mar: a estrutura do tráfico a partir de Lisboa (1720-1770)
5.1. As contas do tráfico: Lisboa na estrutura do comércio de escravos angolano
5.2. A armação dos navios: despachando mercadorias e preparando viagens negreiras a partir de Lisboa
5.3. Mareantes, capitães e mercadores volantes: os “angolistas” no tráfico de escravos
5.4. Os armadores e os homens do dinheiro: as primeiras gerações de 1700-1740
5.5. Os armadores e os homens do dinheiro: a geração pombalina 1740-1770
CAPÍTULO 6: Do mar ao mato: a organização do contrato de angola e o comércio sertanejo (1720-1770)
6.1. Os contratos de Angola: os direitos reais e a revolução das livranças
6.2. Os negócios dos contratos de escravos
6.3. Caminhos, crédito e escravidão: o mundo que o capitalismo criou
CAPÍTULO 7: O Tempo das reformas e o fim do contrato de Angola (1758-1771)
7.1. Reformismo ilustrado e “comércio livre”
7.2. As companhias pombalinas
7.3. O sistema de Domingos e a extinção do contrato de Angola
7.4. Epílogo: os negreiros de Lisboa depois do contrato e a invenção dos traficantes brasileiros
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
ANEXO 1: Letras de risco
ANEXO 2: Cargas dos governadores