Início>História>Tráfico & Traficantes na ilegalidade: o comércio proibido de escravos para o Brasil (c.1831-1850) | Luiz Fernando Saraiva, Silvana Andrade dos Santos &Thiago Campos Pessoa (orgs.)
Tráfico & Traficantes na ilegalidade: o comércio proibido de escravos para o Brasil (c.1831-1850) | Luiz Fernando Saraiva, Silvana Andrade dos Santos &Thiago Campos Pessoa (orgs.)
Quem eram os traficantes de africanos escravizados? Como se dava a sua participação no negócio nefasto de compra e venda de seres humanos? Qual a sua inserção na sociedade? Depois das manifestações do Black Lives Matter após o assassinato de George Floyd, nos EUA, e da derrubada da estátua do traficante Edward Colston, em Bristol, na Inglaterra, em 2020, tais perguntas estão na ordem do dia. E sendo o Brasil a principal nação escravista das Américas, responsável pela importação de mais de cinco milhões de africanos em mais de 300 anos de tráfico, as respostas tornam-se ainda mais urgentes. Os capítulos de Tráfico e traficantes na ilegalidade ajudam a responder essas questões.
Outras obras haviam estudado as redes de traficantes na América lusa e no Brasil independente. Mas o livro que o leitor tem em mãos avança em relação a esses trabalhos pioneiros. O escopo geográfico (Sudeste e Nordeste) corresponde às duas principais zonas brasileiras desse tráfico. De Pernambuco, da Bahia e do Rio de Janeiro, a coletânea lança luz sobre as trajetórias de alguns desses personagens até os mais altos postos da hierarquia negreira.
O período escolhido, o século XIX, também corresponde a um momento crítico da história do Brasil. Foi nesse período que traficantes construíram os principais estratagemas para burlar a repressão inglesa. Depois de 15 anos do “aprendizado da ilegalidade” (1815-1830), quando o tráfico ao norte do Equador já era ilegal, organizou-se o esquema criminoso nacional que permitiu a continuidade do comércio transatlântico de africanos escravizados por pelo menos 19 anos (1831-1850) e, em alguns casos, além. Os textos falam ainda de outros temas. Por exemplo, a construção de portos clandestinos por onde chegaram milhares de africanos todos os anos; as trajetórias de ascensão econômica e social dos participantes desse infame comércio e os investimentos oriundos desse dinheiro em outras atividades, uma abordagem, aliás, que a historiografia brasileira precisa enfrentar com mais firmeza.
O livro mescla autores já consolidados na história da escravidão com uma nova geração de pesquisadores. A partir do mergulho em fontes, tanto clássicas como inéditas, nacionais e internacionais, garimpadas em arquivos e repositórios on-line, os capítulos fornecem novos dados sobre a configuração de impérios negreiros no Brasil. Se uma estrutura burocrática foi necessária para o sucesso do contrabando de africanos, não menos importante foi a participação dos principais interessados — os cafeicultores do Vale do Paraíba e a açucarocracia do nordeste. Por sinal, diante da ênfase historiográfica recente sobre o esquema criminoso de desembarque de africanos nas regiões cafeeiras do sudeste, os artigos que tratam do tráfico para o nordeste são bem-vindos, oferecendo ao leitor outras perspectivas sobre esse comércio. A obra se engaja, ainda, com os debates sobre a Segunda Escravidão, mas os textos reduzem a escala de análise, sem perder de vista os acontecimentos em escala transnacional. Um excelente exercício de história social e de micro-história.
Além do indiscutível valor historiográfico, Tráfico e traficantes na ilegalidade também oferece importante contribuição social. O crescente interesse nesses indivíduos aponta como a sociedade brasileira ainda necessita compreender melhor suas trajetórias. A coletânea fala sobre história, mas também sobre memória — e, mais especificamente, sobre as memórias da escravidão. A obra fala sobre o passado, mas também fala bastante sobre o presente. Um presente que continua a nos assombrar.
— Carlos da Silva Jr.
Universidade Estadual de Feira de Santana
OS AUTORES
Aline Emanuelle De Biase Albuquerque João Marcos Mesquita Luiz Fernando Saraiva Marcus Joaquim Maciel de Carvalho Rita Almico Silvana Andrade dos Santos Thiago Campos Pessoa Walter Luiz Carneiro de Mattos Pereira
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