Minha tarefa é o estudo da natureza humana — D. W. WINNICOTT
Dentre aqueles dedicados à pesquisa deslocada de psicanálise desde o Brasil, Rosana Onocko-Campos se destaca de modo especial. […] Esta psicanalista de esquerda argentina chegou ao Brasil tendo no país possibilidade de refúgio para a própria vida, com uma carga de esperança histórica e teórica radicais que encontrou aqui terreno de investigação e criação de uma política de saúde mental articulada a um questionamento histórico-teórico da própria psicanálise.
Logo reconheceu que a situação formativa e social de países latinoamericanos […] necessitava tanto da produção de uma infraestrutura […], quanto a teoria psicanalítica mais ampla necessitava de situação histórica nova em tais condições.
Pois, “se Freud tivesse realizado sua psicanálise no Brasil ele não teria abandonado a teoria do trauma” uma vez que o país faz conviver um horizonte imediato de acessos a direitos e às benesses da vida econômica modernizada, de trabalho, consumo e cidadania política, com sua mais profunda e permanente exclusão na vida de uma massa humana de pobres, negros, pardos e brancos, homens e mulheres, milhões de fragilizados por uma lógica social concreta e permanente de desprezo, descarte e mesmo de extermínio.
Rosana é uma psicanalista que levou esses problemas, a vida de uma clínica socialmente verdadeira no Brasil, inteiramente a sério em sua vida de pensadora crítica da psicanálise, criadora de condições sociais as mais amplas possíveis para a psicanálise operar e se compreender neste mundo.
— Da Apresentação, de Tales Ab’Sáber
No livro Psicanálise e Saúde Coletiva: interfaces 2, Rosana Onocko-Campos enfrenta uma das questões cruciais para o avanço do campo disciplinar da Saúde Coletiva, que diz respeito ao lugar do sujeito, esse espaço de integração entre o biológico e o social, o individual e o coletivo.
Também de confrontação de dois paradigmas usados para pensar a questão da saúde. Para nós, a constituição do sujeito configura uma ação que afirma sua autonomia e consciência, dentro de um enquadramento que não foi por ele escolhido. É no interior dessa tensão entre determinação social e afirmação da liberdade individual e grupal que buscamos encontrar o lugar da constituição dos sujeitos.
É no interior da disputa de regimes de verdades em torno da boa ordem que o indivíduo se constitui como sujeito, construindo sua identidade social e política. Mesmo as tentativas autocráticas de monopolizar uma visão de mundo como sendo a única autorizada e legítima encontra no poder simbólico o espaço para a insurgência, o lugar para a constituição do sujeito como um ponto de verdade.
Rosana nos propõem uma leitura da cultura brasileira e das questões políticas envolvidas na construção de nossa democracia a partir de uma imersão no pensamento de Winnicott, trazendo para o campo da Saúde Coletiva questões sobre o cuidado e a ética do público, iluminadas pela psicanálise.
— SONIA FLEURY, Doutora em Ciência Política, Centro de Estudos Estratégicos – CEE/FioCruz
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SUMÁRIO
Prefácio
Apresentação, Tales Ab’Sáber
Capítulo 1: Origem mítica da Saúde Coletiva
Capítulo 2: Leituras de Winnicott: apontamentos úteis para a cultura brasileira contemporânea
Capítulo 3: Settings winnicottianos: como adaptá-los às políticas públicas na atual conjuntura brasileira?
Capítulo 4: Estado, violência e democracia: contribuições da teoria do desenvolvimento winnicottiana
Capítulo 5: Supervisão clínico-institucional: apontamentos metodológicos
Capítulo 6: Psicanálise nas bordas: cuidando da ética do público
Capítulo 7: “função adulto”: elo perdido da sociabilidade brasileira?
Capítulo 8: Veredas culturais: costuras teóricas para enfrentar as mazelas do Brasil contemporâneo
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Sobre a autora
ROSANA ONOCKO CAMPOS
Psicanalista, médica e professora de Saúde Coletiva. Ativista na defesa das políticas públicas e do SUS. Pela Hucitec, publicou: O planejamento no labirinto, Psicanálise e Saúde Coletiva: interfaces; como coorganizadora, Agir em Saúde; Pesquisa avaliativa em Saúde Mental: desenho participativo e efeitos da narratividade e SaúdeLoucura 10. É também coautora de Desafios da Avaliação de Programas e Serviços em Saúde pela Editora Unicamp. Gosta de pintura modernista, de livros, de vinho e de gatos!