Ao que eu saiba esta foi a primeira tese em história, defendida no Brasil, em que se usou a “história dos conceitos” (Begriffsgeschichte) de Reinhart Koselleck como instrumento explicativo. Nas poucas linhas que se seguem, não se poderia ter a pretensão de mostrar como o autor o faz, em sua integralidade. Digamos apenas que uma parte relevante sua considera a mudança nas considerações políticas de José Bonifácio, desde que é nomeado conselheiro de D. João VI, em 1820, até seu ostracismo, no início mesmo do primeiro reinado.
A razão deste destaque é dupla: (a) parece-me extremamente convincente a demonstração de como aquela mudança se associa ao uso de dois conceitos, o de história cíclica e o de progresso; (b) apesar da importância de Bonifácio na configuração política do Brasil, às vésperas de sua independência e em seu início, sua figura não conheceu até hoje a indagação a que faz jus. Pouco antes da independência, a posição de Bonifácio se singularizava por já não confundir o Império Português com o reino de Portugal.
O pacto então estabelecido supunha a efetiva unidade dos reinos de Portugal e do Brasil. Para que essa unidade se concretizasse, escapando a ex-colônia lusa da fragmentação que sucedera com a antiga América hispânica, era preciso que, nas palavras de Valdei Lopes de Araújo, Portugal se “desvencilhasse dos entraves e desgates de seu passado”. Como bem observa o autor, essa possibilidade implicava “uma compreensão, em grande medida, cíclica e fechada”, que identificava Portugal com o fora de uso e o Brasil como um novo começo.
A proposta de Bonifácio tinha contudo contra si a política das Cortes de Lisboa. Apesar do evidente conflito, Bonifácio continua a defender a unidade entre Brasil e Portugal. Dentro ainda de uma concepção cíclica de história, a posição das Cortes era interpretada como retrógrada, pois “absolutista e recolonizadora”, ao passo que Bonifácio justificava a sua própria posição alegando que o Brasil era a única possibilidade oferecida a Portugal de sair de seu círculo rançoso; o Brasil então se lhe apresentava como a condição de progresso da antiga metrópole.
Ou seja, em termos da história dos conceitos, o conceito de história era empregado por Bonifácio como maneira de justificar tanto a autonomia de sua pátria, quanto de mantê-la unida à nação lusa. É portanto menos por desejo próprio do que por efeito da reação das Cortes que Bonifácio afinal se inclina pela separação absoluta da antiga metrópole. Não se pense contudo que o destaque de Bonifácio se dá apenas nas escaramuças que precedem a decisão do príncipe regente em tornar-se monarca de uma nação nova.
Tão importante quanto esse destaque é a sua defesa, em “A Representação dos escravos” da interrupção do tráfego negreiro, assim como a defesa da mistura das raças enquanto formadora de uma população brasileira, que, a largo prazo, seria homogênea. Noutras palavras, no início mesmo do Brasil independente, Bonifácio se contrapunha ao que será o mais infeliz clichê do país, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX: a afirmação, que se tornará capital n’Os Sertões de Euclides, de que a desgraça nacional tinha por raiz o cruzamento das raças que o haviam constituído.
Pelas razões acima apresentadas, preferi ressaltar do livro apenas o que constitui uma sua parte. Esteja contudo o leitor certo que sua continuação mostra o mesmo brilho e vigor.
— Luiz Costa Lima