Vencedor da 4.ª edição do Prêmio Dissertação e Tese
promovido pela Associação Brasileira de Pesquisadores em História
Econômica (ABPHE), 2020-2022, na categoria “Dissertação”,
defendida no Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
-*-*-*-
Há décadas, os historiadores discutem os efeitos para os povos africanos da proibição do tráfico de pessoas escravizadas em meados do século XIX. Nos entornos da colônia portuguesa de Angola, principal origem das pessoas capturadas e levadas para as Américas, o crescimento de uma economia agrícola colonial se deu simultaneamente à expansão de um comércio de longa distância, que trazia marfim e cera de abelha por caravanas vindas de regiões a centenas ou mesmo milhares de quilômetros do mar, de territórios que os europeus não detinham nenhum controle. Este livro procura discutir a formação desse comércio por pessoas de carne e osso, que negociavam mercadorias, mas também poder político, condições de trabalho e visões de mundo, em tramas complexas, violentas e ainda muito pouco conhecidas. Analisando os diários de um dos líderes da comunidade mercantil que se instalou no reino africano do Bié, o português Silva Porto, tais questões são abordadas a partir de fragmentos do dia a dia desses sujeitos, durante 30 anos que foram decisivos para a reconversão econômica da colônia portuguesa.
-*-*-*-
A atenção ao par conceitual local-global é um dos debates centrais da moderna historiografia africana. E é certo que pesquisas notáveis sobre as dinâmicas locais têm redimensionado o estudo das relações da África com outras regiões do mundo, demonstrando que as histórias dedicadas aos contextos e às escalas reduzidas podem ser o suporte do equilíbrio entre a abstração e o detalhe. Este livro, que aborda as dinâmicas do comércio sertanejo no interior de Angola, é tributário destes debates. E precisamente da atenção aos detalhes advém suas contribuições para o estudo do tema. Do escrutínio inédito — literalmente dia a dia — dos relatos do comerciante António Francisco Ferreira da Silva Porto, escritos entre as décadas de 1840 e 1860, emergem as relações cotidianas nas caravanas comerciais. E nestas, os sertanejos — mais africanizados na composição e nos costumes do que fez acreditar certa historiografia colonial — os trabalhadores e as autoridades centro-africanas surgem como agentes dos processos de formação, consolidação e transformação do chamado comércio lícito na África Central.
— Profa. Dra. Lucilene Reginaldo (UNICAMP)
SUMÁRIO
NOTA SOBRE A VERSÃO PUBLICADA
NOTA PRELIMINAR: GRAFIA DAS PALAVRAS DE LÍNGUAS AFRICANAS
INTRODUÇÃO
Capítulo 1: O BIÉ, OS SERTANEJOS E O MUNDO ATLÂNTICO
1.1. O Bié e o Planalto Central de Angola
1.2. “Eis ali o vosso filho”
1.3. Um caminho para Benguela
1.4. “Sorvedouro sem fundo”
Capítulo 2: NAS ROTAS DOS MAMBARI: SOBAS E NEGOCIANTES NOS SERTÕES
2.1. Comércio de longa distância do Planalto e o tráfico atlântico
2.2. As demandas vindas de Benguela
2.3. Presentes e tributos de passagem nos Sertões
2.4. Política e comércio no Barotse, o Eldorado do Marfim
2.5. Os pontos intermediários do comércio sertanejo
2.6. “Barco parado não ganha frete”
2.7. Endividamento e a “crise” dos anos 1860
Capítulo 3: A VIDA EM CARAVANA: TRABALHO E DEPENDÊNCIA NAS SOCIEDADES EM MOVIMENTO
3.1. Os carregadores em Angola
3.2. O povo da caravana
3.3. Os “incorrigíveis”
3.4. “Nós não temos culpa do transtorno da viagem”
3.5. Pioneiros africanos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXOS
Anexo I – Localização e composição dos fundos documentais de Silva Porto
Anexo II – Memorial de mucanos – dados compilados
Anexo III – Cartas de Silva Porto ao seu armador
Anexo IV – Considerações de Silva Porto sobre o valor dos banzos e os contratos com os pombeiros
Anexo V – Documentos oficiais: travessia de Angola à Contra-costa